Biografia



1894//1930





"A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente." 
Florbela Espanca

Friso cronológico
1894: A 8 de Dezembro, nasce Florbela Espanca em Vila Viçosa.
1915: Casa com Alberto Moutinho.
1919: Entra na Faculdade de Direito, em Lisboa. 
1919: Primeira obra, Livro de Mágoas.
1923: Publica o Livro de Soror Saudade.
1927: A 6 de Junho, morre Apeles, irmão da escritora, causando-lhe desgosto profundo. 
1930: Em Matosinhos, Florbela põe fim à vida. 
1931: Edição de Charneca em Flor, Reliquiae e Juvenilia e ainda das colectâneas de contos Dominó Negro e Máscara do Destino. Reedições dos dois primeiros livros editados. Verdadeiro começo da sua visibilidade generalizada.
 
 
Florbela - vida
Vila Viçosa, final do ano de 1894, noite de sete para oito de Dezembro.
Antónia da Conceição Lobo sente as dores do parto. Nasce uma menina. Não vem ao encontro das alegrias da família. Não parece ter sido desejada por qualquer das partes. É baptizada como filha de pai incógnito. Avôs e avós também incógnitos. É-lhe posto o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Na literatura portuguesa será chamada Florbela Espanca. Apelido que receberá do pai, João Maria Espanca, já então levantado o véu encobridor. Curiosamente, o padre que a baptiza e a madrinha usam o mesmo apelido.
A mãe morre algum tempo depois.
Tem infância sem falta de carinhos. O pai não a deixará desprovida de amparo. Ela própria assim o diz quando aos dez anos, em poema de parabéns de aniversário ao "querido papá da sua alma" escreve que a "mamã" cuida dela e do mano "mas se tu morreres/ somos três desgraçados".
Será acarinhada pelas duas madrastas.
Ingressa no liceu de Évora. Num tempo em que poucas raparigas frequentam estudos, e bonita como é, apesar de umas tantas vezes afirmar o contrário, põe à roda a cabeça dos colegas.
Não são aqueles os primeiros versos. Antes já os escrevera com erros de ortografia. Naturalmente infantis, mas avançados em relação à idade. De algum modo, prenunciam o que virá depois.
Esta precocidade contrasta com um quê de desajustamento futuro, quando a sua escrita divergirá dos conceitos de poesia dos grupos do Orfeu, Presença e outras tendências do designado "Modernismo", e que emergem como as grandes referências literárias da época. Das quais Florbela parecerá arredada.
Explicadora, trabalhará ensinando francês, inglês e outras matérias. Mais tarde, com vinte e dois anos, irá cursar Direito na Universidade de Lisboa.
Publica vários poemas em jornais e revistas não propriamente dedicados à poesia, como seja Noticias de Évora e O Século ou de circulação local.
Edita os seus primeiros livros, onde incluirá grande parte da produção anterior.
Refere o seu Alentejo e os locais ligados às suas origens, e exalta a Pátria em alguns poemas. Mas a sua escrita situar-se-á sobretudo no campo da paixão humana.
Contrai matrimónio por três vezes. Do primeiro marido, Alberto Moutinho, usa o apelido em alguns escritos, nomeadamente correspondência. Do terceiro marido, Mário Lage, juntará o apelido à assinatura usual, nas traduções que efectuará. Do segundo, António Guimarães, não parece haver reminiscências explicitas nos escritos de Florbela, que lhe terá dedicado obra que publica como Livro de Soror Saudade, titulo diferente do projectado e esquecendo a dedicatória.
Morre aos 36 anos, «de uma doença que ninguém entendeu», mas que veio designada na certidão de óbito como nevrose.


As faces duma personalidade controversa
Como dizem vários estudiosos da sua pessoa e obra, Florbela surge desligada de preocupações de conteúdo humanista ou social. Inserida no seu mundo pequeno burguês. Não manifesta interesse pela política ou pelos problemas sociais. Diz-se conservadora.
No caso da poetisa tem a particularidade de ser ela própria a evidenciá-lo, permanentemente e sem constrangimentos. Parafraseando António José Saraiva e Óscar Lopes na História da Literatura Portuguesa: estimula e antecede o "movimento de emancipação literária da mulher" que romperá "a frustração não só feminina como masculina, das nossas opressivas tradições patriarcais...."
Na sua escrita é notável, como dizem os mesmos mestres, "a intensidade de um transcendido erotismo feminino". Tabu até então, e ainda para além do seu tempo, em dizeres e escreveres femininos.
O seu egocentrismo, que não retira beleza à sua poesia, é por demais evidente para não ser referenciado praticamente por todos.
Escritos de âmbito para além dos que caracterizam essa paixão não são abundantes, particularmente na obra poética. Salvo no que se refere ao seu Alentejo.
Não se coloca como observadora distante, mesmo quando tal parece, exterior a factos, ideias, acontecimentos.
Curiosa é a posição da poetisa quanto ao casamento. Mau grado dizer que a única desculpa que se atribui é ter casado por amor, várias vezes se afirma inteiramente contra, apesar de ter contraído matrimónio por três vezes...
Entre os poetas seus preferidos destacam-se António Nobre, Augusto Gil, Guerra Junqueiro, José Duro e outros de correntes próximas. Interessa-se também por Antero.
Pela não publicação das suas obras, ora se mostra descontente por não encontrar editor para os livros que, após os dois primeiros, deseja dar a público, ora pretende mostrar-se desinteressada, mesmo desdenhosa pelo facto. Embora o desgosto seja saliente.
Passados perto de setenta anos sobre a sua morte são falados comportamentos menos ortodoxos em relação à moral sexual do seu tempo. Algumas expressões de emocionalidade um tanto excessiva para a época, embora não exclusivas da escritora, ajudam a suspeita.
Lembramos a sua correspondência e as referências ao irmão, Apeles. Os seus excessos verbais parecem não passarem disso mesmo - imoderação para exprimir uma paixão. Aqui, exaltação fora do comum de um amor fraternal mas que não destoa do falar dos seus sentimentos.
Semelhante escrever na correspondência com uma amiga. Afinal nunca esteve junto dessa mesma amiga e apenas a viu em retrato.
Esses limites alargados na expressão do amor, da amizade e das afeições, são uma constante.
Florbela, poetisa, não pode ser separada da sua condição de mulher, das suas paixões, da sua maneira de ser, da sua vida, das suas contradições, humildade e orgulho, preconceitos, sua presença e ausência, seus amores e desamores, explica-me a minha jovem amiga Clara Santos, florbelista militante.
A sua única preocupação é ela própria, o amor, a paixão... o querer e o não querer. A par duma vida pouco comum para os cânones vigentes - dois divórcios e três casamentos em cerca de quinze anos - essa relação mulher-paixão e a exaltação ao exprimir-se sobre si própria, podem ter contribuído para os conceitos aludidos.
Repare-se neste começo de um dos seus mais conhecidos sonetos:
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar ! Amar! E não amar ninguém!
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!